pousou à janela
uma escuridão profunda
enquanto te escrevo.
acredito (e sei)
que nunca vais ler estas palavras,
talvez por nos termos perdido
no caos dos lábios
ou por nunca termos falado
a mesma linguagem,
mas são tuas; sempre o foram.
ouve-me:
a noite chegou por fim às nossas mãos
e há um nome que se repete
no indomável eco dos nomes:
não é o teu nome, nem o meu;
nunca o foi.
dizias-me: há um cegar
por dentro do teu peito
que nunca será meu,
e tinhas razão.
nada em mim sabe negá-lo.
será isto morrer?
saber-te apenas paisagem?
saber haver aves
que abdicaram do voo
para que o teu corpo
me chegasse por inteiro?
o que eu sei é que pouco ou nada te sei.
é esta a verdade mais universal
enquanto te escrevo, assim,
sentado à mesma porta
que há anos abri à tua sede.
corrijo: nunca te soube,
e fizeste dos dias
um lugar impossível;
a noite inclina-se sobre as mãos
e há um cegar bem por dentro do meu peito
que nunca será teu nem meu
(nem de ninguém ao certo, sabes),
onde a única promessa
é a certeza da morte
e dos nossos gestos
como animais feridos.
é essa a verdade mais universal:
não haver mais nada
que possas querer levar daqui,
e que de mim levaste já quase tudo.
ouve: houvesse uma porta
por detrás de cada nome
que fosse a tua voz,
e só a tua voz,
para me negar
a impossibilidade
de voltar atrás,
e eu não teria
que te escrever assim,
como quem desiste
do seu próprio sangue
e da sua própria fome.
JOÃO COELHO
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